sexta-feira, 15 de janeiro de 2016

SÉRIE: O EVANGELHO SEGUNDO A MÃEZINHA - JESUS É SANTO - A. Couto de Andrade*


Todos estávamos naquela manhã de sábado em frente a porta de casa. Os irmãos menores com os amigos da Vila Saraiva, brincavam de bola no terreno vago, improvisado como campo de futebol, bem em frente. Estávamos nos divertindo, vendo-os jogar. Caminhando bem devagar, vindo das bandas do Clube Cajubá, na rua de terra, aquela senhora idosa, um pouco curvada pelos anos, inconfundível na sua roupa de duas peças. Roupas velhas mas conservadas, tecidas em tear, possivelmente por ela mesma. Nas costas, um pequeno saco com outra muda de roupa. Prestando atenção nos meninos, não demos por ela. Eles foram que viram-na primeiro.
- Olha a Mãezinha!
Um grito inicial que depois foi acompanhado por todos, numa algazarra só. Pararam imediatamente o jogo e foram ao encontro dela. Todos ficamos alegres. A mamãe não estava conosco e nem o papai. Ela fazendo almoço. Ele nos Correios e Telégrafos, trabalhando. Todos foram beijar a mãos dela e tomar-lhe a bênção.
- Sá Bença, Mãezinha! Sá Bença! Sá Bença!
Cada um ia se achegando respeitosamente, tomando a mãos estendida, beijando-a e dizendo Sá Bênção. Ela, todo sorriso sem abrir os lábios fechados com leveza, olhos brilhantes e um rosto todo ternura, respondia:
- Tá na Bença, Santinho, dirigindo-se a cada um.
Quando cheguei perto e fiz o mesmo que os meninos, ela me perguntou:
- E sua Santa Mãe? E o seu Santo Pai? Tão bem?
Claro, esta questão de Santinho, Santo Pai, Santa Mãe, me incomodava. Era jovem, não namorava porque importante eram os estudos, não tinha vícios mas frequentava, para tristeza da Mamãe o Uberlândia Clube da Elite da Cidade de Uberlândia, onde dançava a valer. Mamãe ficava orando, achando que estava no caminho da perdição. Os meninos, com seus amigos, na hora dos desentendimentos ficavam xingando uns os outros. O papai não conseguira superar o vício de fumar cigarro de palha que iniciara muito cedo, no trabalho rural, logo que começou a usar calça comprida. Fazia parte do rito de passagem. O adulto mais próximo e mais afeiçoado se encarregava de preparar e acender o primeiro. E a mamãe era muito brava, porque qualquer malcriação, por menor que fosse, tomava da vara de marmelo e as bundinhas das crianças ficavam vermelhas. Ela justificava, citando alguma passagem bíblica. Como então, santinho, santa, santo?
A Mãezinha chegava, dirigia-se à cozinha da casa, sentava-se num bando de três pés e se quedava. Não perguntava nada. Ficava mesmo em silêncio. A mamãe estava acostumada. Depois de muito tempo, numa fala mansa, arrastada mas firme dizia:
-  Tive pensando de muito por dias na Santa e me veio de vir a fazer a visita. Ai calava mais um tempão.
Sempre era assim. Ela passava muito tempo sem aparecer e quando vinha era para ficar mais de quinze dias, talvez um mês ou mais. Não causava o mínimo transtorno. Não incomodava em nada. Muito asseada, sempre muito quieta, ouvia muito, prestando uma atenção que só ela.
Um dia resolvi questioná-la sobre esta questão de santo, santa, santinho.
Fui direto. Repeti tudo aquilo que julgava contradizer aquela ideia de santidade.
- Mas, Mãezinha ninguém pode ser Santo, cada um de nós tem alguma coisa que atrapalha a santidade, não tem?
Ela olhou para mim surpresa. Levantou cabeça como olhando para os Céus. Fechou os olhos e ficou bem quietinha, como buscando a resposta. Depois, com voz suave, mas arrastada, me perguntou:
- Sua Santa Mãe, num tem Jisus no coração?
- Tem Mãezinha?
Ela demorou mais um tempão e perguntou assim solenemente:
- Jisus num é Santo?
- É Mãezinha?
Mais demora na continuidade da reposta, com um suspiro que mais parecia uma prece de louvor, concluiu:
- Né! Jisus é Santo. Sua mãe tem Jisus no coração. Sua mãe é Santa, oceis são Santinhos.

quinta-feira, 7 de janeiro de 2016

BAIXAR A BOLA. I - Por A. Couto de Andrade,


Tende sal em vos mesmos e paz uns com os outros”. Marcos 9: 50 (Ver todo o texto de Marcos 9, de 33 a 50).
É. Parece que a questão é sempre pessoal. Não está no outro, mas em cada um. Seria?
Minha filha, por escrito, pediu-me para “baixar a bola”, pois o relacionamento em nosso lar estava um tanto quanto tenso. Queríamos o melhor de um para com o outro, mas estávamos lendo os sinais invertidos. O meu melhor para ela, no seu pensamento restringia-lhe a liberdade. O melhor dela para comigo, restringia a minha. A leitura passava que cada um queria impor-se ao outro, pelo que, então, tinha algo com respeito pessoal, importância pessoal.
Bom, a ordem do Mestre Jesus é que erramos por não examinarmos as escrituras e por não conhecermos o poder de Deus.  Homem de oração fui consultar, de madrugada, aquele que tudo sabe. Deparei-me com o texto de Marcos nove, especialmente do versículo trinta e três ao cinqüenta. Se não me engano, ali estava questão de relacionamento, de ponto de vista em relação ao outro, exaltação, sobressaimento, contando mais a própria importância, portanto, contenda à vista. Aí, ocorre-me um episódio em que tivemos perfeita interação. Escrevi-lhe em resposta:
“Pode você lembrar-se que, recentemente numa noite de luar, apontou-me o astro e me disse:
- Olhe o Sol!
Retruquei:
- Não é o Sol, é a Lua!
E você com o sorriso que só você tem e com os olhos iluminados disse:
- É o Sol refletido na Lua!
-Ah! A luz do Sol?
Sim, você me despertou para ver a luz do Sol refletindo na Lua. E não posso deixar de considerar que ela o reflete nas suas diversas fases, variando até ao ponto de passar alguns dias sem que a vejamos refleti-lo. Daí passa num crescendo até chegar à Lua cheia e, depois, decrescendo até à Lua nova.
Que bom virmos descobrir que o mesmo acontece conosco no tocante à luz do Amor de Deus que foi revelado no seu Filho Cristo Jesus.
Então, sou apenas aquele astro solitário, satélite da Terra, refletindo a doce luz daquele amor insondável, como também você o é, cujo amor buscamos conhecer mais e mais para sermos tomados da plenitude de Deus, em Cristo Jesus.
É. Não temos luz própria, mas contamos com a graça de luzir e enfeitar o mundo, até mesmo, por que não, enfeitiçar corações cheios de ternura poética propiciada pelo Espírito Santo de Deus!
Quisera eu amar você. Mas Deus que a ama através de mim. Sou feliz por tê-la por perto. Ele também me ama através de você. Que bom! Amém.
 O resultado da oração da madrugada. O mais importante é o que mais dispõe a servir, o serviçal de todos, pois, a luz não é da Lua. Quem opera é Deus. Apenas refletimos sua ação que é amor. E nisto, como podemos ser agradecidos por tanta dignificação! Considerar o uso do sal em si mesmo e a paz com os outros... Servir, tempero, tolerância... Diálogo?! É quando possível...                                                                 
                                                     * ACouto de Andrade,
(membro da Academia de Letras do Triângulo Mineiro, do Instituto de Artes e Cultura do Triângulo e do Instituto dos Advogados de Minas Gerais, autor de Constituinte Assembléia Permanente do Povo e com o livro na Internet:www.kaxambah.blogspot.com[u1] ).